
Na América do Norte, ele teve a oportunidade de estudar Engenharia Aeronáutica, Ciência da Computação e Administração, formação que utilizou no trabalho de logística e pilotagem de aviões missionários. Depois de receber o convite para atuar na área acadêmica, cursou a graduação, mestrado e doutorado em Teologia na Andrews University, instituição em que defendeu sua tese sobre a relação da Igreja com o Estado nos escritos de Ellen G. White.
Nesta entrevista, ele explica como o conceito do grande conflito entre o bem e o mal norteou a visão da profetisa adventista sobre a relação entre política e religião, e opina sobre o posicionamento ideal dos adventistas quanto às questões civis. Márcio tem 46 anos, é casado com a enfermeira Jane Vianel e tem duas filhas: Stephanie, de 10 anos, e Giovanna, de 8 anos. Além de lecionar no seminário, atua como pastor da Igreja da Faama.
Revista Adventista: Nos primórdios do adventismo, como era vista a relação entre Igreja e Estado?
Márcio Costa: A separação entre Igreja e Estado, por causa de suas implicações para a liberdade religiosa, sempre foi uma preocupação adventista. Esse cuidado foi herdado da Conexão Cristã e do movimento milerita, por líderes como Tiago White, José Bates e Urias Smith. Porém, depois do desapontamento de 1844, as descobertas proféticas que apontaram os Estados Unidos como a segunda besta de Apocalipse 13, aumentaram essa indisposição para com o Estado. No então movimento sabatista, essa visão serviu de obstáculo contra a organização da Igreja Adventista. Alguns achavam que institucionalizar o movimento seria transformá-lo em Babilônia, ou seja, introduzir os preceitos do Estado na organização eclesiástica. Somente quando essa visão passou a atrapalhar o progresso da Igreja, os adventistas perceberam que a organização era fundamental para o cumprimento da missão, o que implicaria seguir dispositivos legais e dialogar com o Estado.
O movimento adventista vê com pessimismo a condição do mundo no futuro, pois acredita que, em última instância, apenas o estabelecimento do reino de Deus vai mudar o estado de coisas. Essa visão poderia gerar passividade social dos membros?
Márcio Costa:Esse é um perigo. Essa passividade social foi pregada pelos pioneiros durante a década de 1850 em relação ao debate sobre a libertação dos escravos. Para Uriah Smith, um dos líderes da época, o peregrino não deveria parar sua marcha em terreno estranho. Em resumo: se nosso lar não é aqui, não deveríamos nos preocupar com as coisas do mundo. Todavia, em 1860, com a candidatura de Abraão Lincoln à presidência americana com uma postura bem clara em favor da abolição da escravatura, os adventistas acabaram fazendo proselitismo a favor do voto, pois entendiam que a escravidão não consistia em mero direito do Estado, mas de uma questão moral. Na oportunidade, Tiago White argumentou que, por não haver apoio nem proibição bíblica quanto ao voto, a participação dos adventistas deveria se dar ou não de acordo com a consciência individual.
Como Ellen G. White se posicionou em relação ao trabalho social?
Márcio Costa:Em seus escritos, ela passou a defender a necessidade de o adventista se expor para a sociedade. Caso contrário, a postura indiferente poderia gerar a alienação dos interesses da Igreja em relação aos interesses do Estado, o que não é correto, pois temos preocupações similares às do Estado, como o bem-estar da sociedade. Na visão de Ellen G. White, o serviço social traz benefícios diretos e indiretos à comunidade que, por sua vez, também contribui para a pregação do evangelho. Portanto, o adventista tem a obrigação de minimizar as injustiças sociais assim como o guardião de um cego, cuja função não é apenas desviar o cego dos obstáculos, mas removê-los (Patriarcas e Profetas, p. 534).
Adventistas podem se candidatar a cargos públicos?
Márcio Costa:Ellen G. White é totalmente favorável e encoraja os jovens adventistas a ter grandes sonhos, de até promulgar leis e ocupar cargos e posições de grande influência. No entanto, ela adverte que, tal qual José no Egito, a religião deve ser o esteio de todas as decisões. Não pode haver incoerência entre o exercício da função e a prática da fé. Para ela, é a fidelidade às crenças bíblicas que pode levar um político adventista à notoriedade, e não a barganha dos seus princípios (Fundamentos da Educação Cristã, p. 83, 84).
Pode-se votar em candidatos não adventistas?
Márcio Costa:Se entre dois candidatos, o primeiro é favorável ao casamento homossexual, venda indiscriminada de bebida alcoólica e se mostra favorável ao aborto. E se, ao contrário, o segundo candidato se mostra conservador em relação as essas questões morais, devemos ficar com o último. Se assuntos morais são o divisor de águas da eleição, devemos nos posicionar. Se esses temas forem levados a plebiscitos, Ellen G. White aconselha que votemos até em dia de sábado, se necessário. O voto, portanto, é um dispositivo que a democracia nos dá de representar a vontade de Deus. Logo, não deveríamos eleger candidatos moralmente intemperantes, desequilibrados, de posicionamentos contrários à Bíblia.
O que dizer de proselitismo político na igreja?
Márcio Costa:Ellen G. White é contra. A razão apresentada é simples: quando determinado político é apresentado como boa opção diante dos membros, alguém automaticamente discorda verbal ou silenciosamente, e isso gera divisão entre os irmãos. O voto é um direito do cidadão e a igreja não se opõe a que o membro o exerça, desde que reserve essa decisão à vida privada e não faça proselitismo político na igreja. Por isso, não é recomendável que candidatos, ainda que adventistas, preguem durante a campanha, pois é inevitável a associação da pessoa com seus interesses políticos, ainda que a política não seja o tema da mensagem (Testemunhos Para Ministros e Obreiros Evangélicos, p. 332, 337).
Pode a Igreja filiar-se a partidos políticos?
Márcio Costa:Creio que não, pois precisamos ter independência ideológica. Nossa prioridade não é uma agenda externa, pois já temos nossa missão. Nosso envolvimento na questão da proibição da venda de álcool na década de 1860, nos Estados Unidos, é um exemplo dessa postura. Enquanto alguns grupos defendiam uma visão politizada, pressionando os políticos, os adventistas, incluindo Ellen G. White e outros líderes da igreja, subiram aos púlpitos para defender o aspecto bíblico da questão, que vê na reforma de saúde um processo de restauração da imagem de Deus. Essa pregação distintiva levou a conversão de, por exemplo, Sarepta M. I. Henry, uma das maiores ativistas pró-temperança da época. No entanto, quando a discussão migrou para a obrigatoriedade da guarda do domingo, os adventistas se alinharam aos vendedores de bebidas alcoólicas que também desaprovavam, por interesses comerciais, a lei dominical. Não temos filiações partidárias, mas fidelidade à nossa mensagem. A Igreja sempre foi favorável aos republicanos, porque historicamente promoveram os valores da República (sistema de governo visto pela Igreja como o ideal). Mas nesse caso, a igreja se posicionou em favor dos democratas, que estavam do lado da liberdade religiosa.
Qual é o papel do Estado e da Igreja?
Márcio Costa:Para Ellen G. White, as duas instituições foram estabelecidas por Deus, em esferas distintas. Ao Estado compete a manutenção da ordem social por meio do cumprimento das leis, o que envolve punição ou recompensa e, à Igreja cabe a transformação por meio do evangelho. Muitos autores sugerem que o modelo republicano é totalmente laico, de pressupostos puramente filosóficos e seculares. No entanto, ela afirma que, na elaboração da Constituição americana, o nome de Deus não foi mencionado porque estava autoevidente e porque era a base da Carta Magna (O Grande Conflito, p. 295). Por isso, em certo sentido, a autoridade exercida pelos líderes civis também é um sacerdócio. Também por essa razão, Ellen G. White vê a relação entre Igreja e Estado de modo espiritual, a partir do contexto do grande conflito entre o bem e o mal. Para ela, nos últimos dias, as duas instituições estarão sob os ataques do inimigo de Deus, e Satanás vai usar esses dois poderes de modo especial (Testemunhos Para Ministros e Obreiros Evangélicos , p. 202, 203).
E quando a Igreja se depara com governos tiranos?
Márcio Costa:É lícito manifestar desaprovação mediante dispositivos legais e pacíficos, como o voto, etc. Podemos obedecer às leis, desde que elas não conflitem com nossos princípios. No entanto, não podemos passar a imagem de rebeldia, como no caso das greves. Outro exemplo histórico aconteceu em meados da década de 1850. A lei vigente dizia que todo cidadão que reconhece um escravo (e a identificação era fácil, por causa da cor), deveria entregá-lo à polícia, para que o foragido fosse devolvido ao seu dono. Quanto a essa lei, Ellen G. White defendeu a desobediência civil, incentivando os adventistas a arcar com as punições do Estado. Em resumo, a manifestação sempre deve ser feita de forma pacífica. O princípio equilibrado é: obediência ao cumprimento das leis seculares e fidelidade a Deus. Quando a força do mal extrapola seus limites, Deus intervém.
Como a relação entre religião e política ainda terá implicações proféticas?
Segundo Ellen G. White, o maior problema em relação à besta de Apocalipse 13 é que ela não agirá conforme seus dois chifres: republicanismo e protestantismo. Ela possui os dois cornos que representam a relação de paz entre Igreja e Estado, mas suas ações são de perseguição e intolerância, ou seja, parece cordeiro mas age como dragão (Ap 13:11). Portanto, na visão dela, o Estado não é necessariamente mau, tanto que a iniciativa de impor leis que violarão a liberdade de consciência partirá dos movimentos religiosos e não do governo (O Grande Conflito, p. 592).
Esta entrevista, na íntegra, foi publicada na Revista Adventista do mês de junho. [Equipe ASN – Wendel Lima] – Retirado de Novo Tempo.
Fonte: http://prvicentepessoa.blogspot.com/2010/09/adventismo-e-politica.html
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